
A História da SIBRA: Um Refúgio Alemão no Coração Gaúcho
A trajetória da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (SIBRA) é indissociável da história da imigração judaico-alemã em Porto Alegre. Traçar seu percurso é narrar a saga de uma comunidade que, fugindo do terror nazista, recriou sua vida e reafirmou sua identidade a milhares de quilômetros de casa. Como afirmou Herbert Caro, um de seus primeiros membros: “O Judaísmo não fazia parte da minha vida, mas Hitler mostrou a todos, rapidamente, o caminho de volta a ele.”
Os Pioneiros: Um Novo Começo em Terra Estranha
Antes da grande onda migratória, alguns judeus-alemães já haviam se estabelecido em Porto Alegre por razões profissionais. Entre eles, destacava-se Kurt Weil, que chegou em 1929 e se tornou uma figura fundamental, trabalhando incansavelmente nos bastidores com amigos e advogados para regularizar a situação dos recém-chegados. Foram seus primos, Marianne Silber e seu marido, o pediatra Dr. Walter Silber, os primeiros a chegar em 1933, fugindo da Alemanha. Logo depois, em 1934, a chegada da família de Max Stobetzki marcou o início de um fluxo contínuo que formaria o núcleo da nova comunidade.
Esses imigrantes vinham de realidades diversas — de cidades cosmopolitas como Berlim, Frankfurt e Hamburgo, e de pequenas cidades do interior, onde as tradições judaicas eram, por vezes, mais presentes. O que os unia, de forma indelével, não era uma busca por oportunidades econômicas, mas uma fuga desesperada do nazismo. Esse exílio forçado tornou-se um elo único e poderoso.
O Choque de Mundos e a Semente da União
O impacto inicial foi profundo. Trocaram a Europa por um mundo tropical, enfrentando barreiras climáticas, culturais e, sobretudo, linguísticas. O convívio inicial com a comunidade judaica já estabelecida, composta majoritariamente por russos e poloneses (“Ostjuden”), revelou diferenças intransponíveis. A principal delas era o idioma: os judeus do leste falavam o iídiche, incompreensível para os alemães.
A Sra. Ruth Herz, nascida Stobetzki, recorda a impressão negativa de uma celebração de Pessach em 1934 em outra sinagoga, onde “as pessoas conversavam alto, ninguém respeitava nada”. Seus livros de reza, trazidos da Alemanha, já continham traduções e transliterações, um costume reformista desde o século XIX. Diante disso, seu pai resolveu: “os serviços religiosos seriam feitos em nossa casa para quem quisesse vir”. Ali, na casa dos Stobetzki, em 1934, a comunidade judaico-alemã de Porto Alegre realizou seu primeiro serviço religioso unido, plantando a semente da SIBRA.
A Fundação: Um Endereço para a Esperança e a Cultura
A necessidade de um espaço formal para cultos, encontros e apoio mútuo tornou-se imperativa. O objetivo era claro: um lugar para usar seus próprios livros de orações, cantar suas melodias tradicionais e manter vivas suas atividades culturais, como jogos de cartas, apresentações teatrais e o cancioneiro alemão.
Em 29 de agosto de 1936, nos elegantes salões da Confeitaria Rocco, no centro de Porto Alegre, a SIBRA foi oficialmente fundada. A primeira diretoria era composta por Samuel Hess, Jean Strauss, Siegfried Epstein, David Windmüller, Kurt Weil e Nina Caro, que passou a dirigir a ala feminina (“Frauenverein”). A ata de fundação também leva as assinaturas de figuras centrais como Herbert Caro, José Windmüller, Max Baumann, Ludwig Hain e Max Blumenthal, entre outros.
Os estatutos refletiam a visão abrangente da comunidade: manter uma sinagoga, uma caixa de beneficência e, crucialmente, facilitar a integração na nova pátria, incentivando o estudo da língua portuguesa e da história do Brasil. O espírito de reconstrução se materializou em doações preciosas de objetos salvos da fúria nazista: rolos da Torá foram doados por David Windmuller, Siegfried Weil, Josef Stiefel, Heinrich Epstein e Joseph Silber; o Shofar, por Siegfried Weil; e os enfeites dos rolos, por Emil Bendheim.
Uma Comunidade de Apoio Mútuo em Tempos Sombrios
A SIBRA rapidamente se tornou o epicentro da vida comunitária. Como relatou Margot Leventhal, “na SIBRA encontrava-se apoio para tudo”. Esse apoio se manifestava de formas diversas e tocantes. Grete Bejzman, filha de Max Blumenthal, lembra-se de sua mãe, D. Lina, cozinhando na sede da Rua Esperança para membros da comunidade que não tinham onde comer. Havia até uma casa de veraneio em Ipanema, que a SIBRA alugava e cedia em rodízio para as famílias. “Era um luxo, uma maravilha”, recorda Margot.
Esse senso de solidariedade foi vital durante a era Vargas (1937-1945). Com o Brasil fechando as portas à imigração judaica em 1937 e, mais tarde, proibindo o uso do alemão, a comunidade se viu novamente em uma posição de medo. Foi crucial o trabalho do Dr. Miguel Weisfeld, um advogado nascido em Odessa e formado no Brasil, que viajou incansavelmente ao Itamarati para defender os casos dos imigrantes.
Para se protegerem da perseguição por falarem alemão, a SIBRA distribuiu carteirinhas para identificar seus sócios como judeus, uma tentativa de provar sua inocência à polícia. Enquanto isso, a vida seguia. A educação religiosa das crianças era garantida pelos “infatigáveis” Max Blumenthal e Klaus Oliven. Ocorreram os primeiros casamentos, o primeiro Bar-Mitzvá (de Dagoberto Hauser) e o primeiro Brith-Milá de um filho de imigrantes nascido em Porto Alegre, em março de 1937.
Um Lar Permanente e um Legado de Pioneirismo
A comunidade transitou por sedes na Av. Osvaldo Aranha (nº 1082) e, a partir de 1940, na casa da Rua Esperança (nº 790), simbolicamente alugada de um membro da comunidade, o Dr. Alexandre Preger. A morte também unia a todos. Sem cemitério próprio, os funerais eram realizados no Cemitério do Centro Israelita, mas, como conta José Blumenthal, o cortejo fúnebre fazia questão de passar em frente à sede da SIBRA, em sinal de homenagem.
O sonho de uma sede definitiva foi realizado com a construção do prédio na Rua Mariante, 772. A pedra fundamental foi lançada em 9 de novembro de 1958, aniversário da “Noite dos Cristais”, um ato que ligava a dor do passado à esperança do futuro. A inauguração, em 1960, consolidou o lar permanente da comunidade.
Ao longo dos anos, a SIBRA não só preservou suas tradições, mas também inovou, sendo pioneira na formação de grupos juvenis com líderes religiosos e na introdução do português nos livros de reza. Hoje, continua a ser uma comunidade vibrante, fiel à sua história de resiliência e ao espírito de solidariedade que a forjou, provando que, mesmo desenraizados pela força, é possível florescer e construir um legado duradouro.